" No fim da tarde, as mulheres começavam a varrer a calçada, repetindo o que já haviam feito pela manhã. Depois se concentravam nos portões, botavam as cadeiras na calçada e ficavam de papo, vendo as crianças brincando na rua. Era uma forma de receber os maridos que voltavam do trabalho. Eu via essa ciranda e adorava: a chegada dos pais. Não para mim, que só ia vê-los às dez da noite. Mas a maioria sentia essa energia, o que acabava juntando todo mundo".
A cena descrita acima é de Marcelo Yuka, músico que fez sucesso no grupo O Rappa, presente no livro "Não se preocupe comigo - Marcelo Yuka", por Bruno Levinson.
Na obra citada é abordada, além de outros fatos, a infância do baterista em Campo Grande, o qual descreve-o com ares quase "bucólicos", familiar, com pessoas conversando e crianças brincando nas calçadas, típico como ele mesmo relata, um "subúrbio dos sonhos".
A Rua Vitor Alves é mencionada da seguinte forma: "Minha tia mora no mesmo lugar até hoje: Rua Vítor Alves". E também ressalta as mudanças pelo qual o bairro estava passando naquele momento, final dos anos 1960 e início dos anos 1970: "Mas naquele momento, aquela área de Campo Grande passou a ter outra opção de vida, além do campo e do comércio local: começou a virar uma cidade-dormitório, os pais saindo cedo para trabalhar e voltando para casa à noite". Além disso, "Nessa época, na comunidade em que viviam, o máximo para a mulher era ser normalista. Estudar significava ter que sair de Campo Grande rumo ao centro da cidade, fazer uma prova de admissão e pegar trem. Era uma coisa de poder feminino", ressaltava o músico.
E o restante do livro continua contando a trajetória e a vivência do (como ele mesmo se definia) tímido músico, de letras reflexivas, que abordavam temas sociais, políticos e afins, que, infelizmente, foi mais uma vítima da violência urbana em novembro de 2000, o deixando, como ele mesmo afirmara: "Sonho de ninguém comporta a realidade de ter virado um aleijado".
De Campo Grande, Yuka saiu para o "mundo", como Angra dos Reis, Baixada Fluminense, os grupos O Rappa e o F.U.R.T.O., até infelizmente vir a falecer em 18 de janeiro de 2019, sendo enterrado no cemitério de Campo Grande, seu bairro de origem.
Sem dúvida alguma, mais um ilustre cidadão do bairro da Zona Oeste que deixou seus nome e obra gravados nessa vida passageira. "A minha alma tá armada e apontada para a cara do sossego".
Foto: Yuka brincando com os vizinhos em Campo Grande. Fonte: Acervo especial
Foto: Yuka no Colégio Augusto Vasconcelos, em Campo Grande. Fonte: Mônica Imbuzeiro. Ag. O Globo.
Foto: Yuka na Pista de Skate de Campo Grande. Fonte: Mônica Imbuzeiro. Ag. O Globo.
As duas últimas fotos pertencentes ao Caderno Zona Oeste do Jornal O Globo.
Todas as fotos retiradas do livro "Não se preocupe comigo - Marcelo Yuka".
Artigo baseado no mesmo livro.
Que lembrança maravilhosa... A Mãe do Marcelo Yuka estudou no Colégio Estadual Professor Fernando Antônio Raja Gabaglia. A última vez que estive com ela foi em 2004, num sábado de encontro dos ex-alunos do Raja. Suas lembranças de Campo Grande eram ternas e saudosas...
ResponderExcluirBoa noite, meu amigo. Muito bacana saber que a mãe do Yuka estudou no Raja, mesmo colégio que estudei. Obrigado pela visita ao blog.
ExcluirYuka fez uma crônica moderna deste Rio que vivemos. Deixou músicas pensantes, saudades e questionamentos.
ResponderExcluirPessoas assim são essenciais para inspirar novas críticas, novas poesias e o despertar de uma luta que começa a cada amanhecer.
Obrigado,Marcelo!
Isso aí, André. Com certeza, um cara muito inteligente. Obrigado pela visita ao blog.
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