sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Campo Grande antes de Campo Grande

   "Curumim chama cunhatã que eu vou contar "
    O atual bairro de Campo Grande já fez parte de uma região muito mais extensa, denominada de "O Campo Grande ", parte do que chamavam sertão, que ia da Serra de Gericinó e as serras da Tijuca, Pedra Branca, Bangu e Cabuçu.
    A conquista dessas terras e povoamento da região podem ser creditados em 06 de junho de 1569, quando João de Bastos e Gonçalo d'Aguiar solicitaram ao Capitão e Governador, Salvador de Sá, o outeiro de Jerissinonga (Gericinó). Alguns pesquisadores já afirmam que o "início" de povoamento se deu em 17 de novembro de 1603.
    Só que essa conquista, início de povoamento só leva em consideração a visão dos colonizadores europeus, os "homens brancos". À época, como ocorria em praticamente todo território brasileiro, a região era ocupada por tribos e etnias indígenas.
    Por volta da segunda metade do século XVI, a extensão de terras que vai do Rio da Prata até Cabuçu era habitada pelos índios Picinguaba. Segundo o professor de história Marco Antonio Duarte Viggiani , acredita -se que Picinguaba era um líder Morubixabã, pertencente a uma das tribos existentes na localidade. Ainda segundo Marcos, Picinguaba poderia ser também o nome de uma tribo.
    Fonte da imagem: livro "O Rio antes do Rio"

    Como mostra o mapa acima, uma das tabas existentes na localidade era conhecida como Okarantî, descrita como uma "das maiores e mais povoadas do país", segundo o cronista Jean de Léry. Conhecida como a taba do Grande Guerreiro Branco, era a maior do Rio de Janeiro no século XVI.
    O mesmo cronista Léry declara em sua obra, que esta taba ficava distante cerca de "10 a 12 léguas" do forte dos franceses na atual ilha de Villegagnon (a légua francesa aproximava de 4 quilômetros). Sendo assim, a distância era de aproximadamente 40 a 48 quilômetros entre os dois lugares. Esses quilômetros descritos pelo cronista francês indicam para a região atual que abrange os bairros de Bangu, Santíssimo e Campo Grande. Okarantî ficaria em algum lugar dessa localidade, onde se tinha à disposição cursos d'água, partindo do Rio Cabuçu.
    Nessa região há um vale entre duas "cadeias montanhosas", onde hoje localiza-se uma importante via, a Estrada da Posse. 
    A taba teria sido a maior da região, mais densamente povoada do recôncavo da Baía de Guanabara, uma área que corresponde ao grande planalto alcançado após o extenso vale entre os maciços do Mendanha e da Pedra Branca. 
    Segundo o cronista que esteve presente na região na época, em uma missão que acabou sendo um verdadeiro e precioso "trabalho de campo", a mais ou menos 8 quilômetros (2 léguas) da aldeia de Okarantî, localizava-se uma outra, denominada Kotyuá, ficando onde hoje encontra-se o bairro de Vila Kennedy, próximo da região de Gericinó. Essa aldeia possuía uma característica guerreira, sendo uma "armadilha" para os inimigos que por acaso atrevessem a atacá-la.
    Entre Okarantî e Kotyuá, como mostra o mapa, existia Tantimã. A referência à essa taba aparece em 1569, designando terras concedidas a dois sesmeiros já citados, João de Bastos e Gonçalo d'Aguiar. "Diz" a carta que essas terras tinham como referência algum lugar perto de Gericinó. 
    É bom ressaltar que Gericinó servia para designar uma região muito vasta na segunda metade do século XVI, diferente do atual bairro, sendo apenas uma parte das terras que herdou o nome originário.
    A aldeia de Tantimã deslocava-se por essas terras próximas às atuais encostas da Serra do Mendanha. 
    Nas primeiras cartas de sesmarias e outros documentos antigos, os tupinambás "chamavam" esse maciço montanhoso de origem vulcânica com outras grafias, como Jorisinom, Jorixininga, Jorisiñonga, entre outras. Hoje, é conhecido como Serra de Madureira, do lado de Nova Iguaçu, e Serra do Mendanha, ou Gericinó, na parte da cidade do Rio de Janeiro. 
    Os mesmos tupinambás reverenciavam o local como uma de suas "montanhas" mais sagradas, de onde partiam os rios, com relevante caça na região, e onde se tinham frutos, plantas, mel, animais entre outros.
    O nome Gericinó poderia significar para os indígenas presentes na região algo como "mãe que vem fazer", "montanha da mãe geradora", ou algo próximo a isso.
    Nas andanças do cronista Jean de Léry, pode afirmar que o mesmo visitou Okarantî, próximo do atual bairro de Campo Grande, decidindo voltar por um caminho mais ao norte, em direção a terras férteis e florestas das atuais "montanhas" do Parque Estadual do Mendanha.
    E assim, a região do "Campo Grande ", como cita a música, já dizia: "Todo dia era dia de índio".

   Referências bibliográficas:
   Fróes, José Nazareth; Gelabert, Odaléa Ranauro. Rumo ao Campo Grande por trilhas e caminhos. Rio de Janeiro. 2004.
       Leŕy, Jean de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1941.
    Silva, Rafael Freitas da. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro: Babilônia, 2017.

18 comentários:

  1. Excelente postagem! Recheadas de referências de peso! É a História de Campo Grande ao alcance de todos! Parabéns!
    Estarei divulgando no Saiba História! 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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  2. Muito obrigado, meu amigo. Pelo comentário e pela divulgação. Um grande abraço.

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    1. Muito obrigado, Iriany. Visite sempre o blog e se possível divulgue-o. Grande abraço.

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  4. Sensacional, excelente pesquisa. Parabéns, estarei divulgando em grupos históricos. Fico muito feliz que hoje estamos resgatando um passado que sempre foi visto pela visão eurocêntrica em relação ao Rio de Janeiro. Muitas cortinas se abrem. A Portela este ano falará de Guajupiá, enredo baseado no Livro do Rafael "O Rio antes do Rio" e quem sabe os historiadores parem de dizer que CARIOCA é casa do homem branco ao qual gerou o nosso gentílico e conheça a KARIOKÁ de Aimberê.

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    1. Boa noite,Marco. Muito obrigado pelas palavras e pela visita ao blog.Obrigado também pelas informações que contribuíram para meu artigo. É muito bom saber que de alguma forma meus artigos contribuem para aumentar o interesse pela história de nossa região. Continue visualizando o blog. Um grande abraço.

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  5. Já postei no meu blog e nas minhas páginas.
    Sucesso!

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  6. Coisa boa, fico feliz com a sua disponibilidade de buscar a história da nossa região! Parabéns...

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  7. Excelente te matéria. Deveria,ser levada às escolas da região.

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    1. Muito obrigado, Sérgio. Tendo a oportunidade, a gente leva para as escolas. Muito obrigado pela visita ao blog. Um grande abraço.

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    1. Bom dia. Muito obrigado, Jorge. Obrigado pela visita ao blog. Se possível, seja um seguidor. Ajuda a divulgar. Um grande abraço.

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  9. Caro Carlos. Sempre com Belos trabalhos de pesquisa.
    Assim poderíamos dizer que quem nasceu nessas terras, e tem pais, avós e bisavós, crias da região, somos OKARANTIS. Provavelmente, como somos muitos de nós, muito miscigenados, seríamos descendentes desses povos.....

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    1. Boa Noite, meu grande amigo. Sim. Todos podemos ser descendentes de uma etnia Okaranti, ou Tantimã, ou outra etnia indígena, já que aqui na Zona Oeste, assim como todo o Brasil, era povoado por etnias indígenas. Viva a nossa miscigenação. Muito obrigado pela visita ao blog. Um grande abraço.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Quantos esclarecimentos! É muito bom podermos nos situar no contexto indígena, do qual fazemos parte e perceber a sua importância, quase sempre invisibilizada aqui na nossa Zona Oeste! Parabéns, Carlos Eduardo! Obrigada!

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    1. Boa Noite, minha querida. Fico feliz por meu artigo ser esclarecedor de um assunto tão relevante de nossa história. Muito obrigado pela visita ao blog. Um grande abraço.

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