"Curumim chama cunhatã que eu vou contar "
O atual bairro de Campo Grande já fez parte de uma região muito mais extensa, denominada de "O Campo Grande ", parte do que chamavam sertão, que ia da Serra de Gericinó e as serras da Tijuca, Pedra Branca, Bangu e Cabuçu.
A conquista dessas terras e povoamento da região podem ser creditados em 06 de junho de 1569, quando João de Bastos e Gonçalo d'Aguiar solicitaram ao Capitão e Governador, Salvador de Sá, o outeiro de Jerissinonga (Gericinó). Alguns pesquisadores já afirmam que o "início" de povoamento se deu em 17 de novembro de 1603.
Só que essa conquista, início de povoamento só leva em consideração a visão dos colonizadores europeus, os "homens brancos". À época, como ocorria em praticamente todo território brasileiro, a região era ocupada por tribos e etnias indígenas.
Por volta da segunda metade do século XVI, a extensão de terras que vai do Rio da Prata até Cabuçu era habitada pelos índios Picinguaba. Segundo o professor de história Marco Antonio Duarte Viggiani , acredita -se que Picinguaba era um líder Morubixabã, pertencente a uma das tribos existentes na localidade. Ainda segundo Marcos, Picinguaba poderia ser também o nome de uma tribo.
Fonte da imagem: livro "O Rio antes do Rio"
Como mostra o mapa acima, uma das tabas existentes na localidade era conhecida como Okarantî, descrita como uma "das maiores e mais povoadas do país", segundo o cronista Jean de Léry. Conhecida como a taba do Grande Guerreiro Branco, era a maior do Rio de Janeiro no século XVI.
O mesmo cronista Léry declara em sua obra, que esta taba ficava distante cerca de "10 a 12 léguas" do forte dos franceses na atual ilha de Villegagnon (a légua francesa aproximava de 4 quilômetros). Sendo assim, a distância era de aproximadamente 40 a 48 quilômetros entre os dois lugares. Esses quilômetros descritos pelo cronista francês indicam para a região atual que abrange os bairros de Bangu, Santíssimo e Campo Grande. Okarantî ficaria em algum lugar dessa localidade, onde se tinha à disposição cursos d'água, partindo do Rio Cabuçu.
Nessa região há um vale entre duas "cadeias montanhosas", onde hoje localiza-se uma importante via, a Estrada da Posse.
A taba teria sido a maior da região, mais densamente povoada do recôncavo da Baía de Guanabara, uma área que corresponde ao grande planalto alcançado após o extenso vale entre os maciços do Mendanha e da Pedra Branca.
Segundo o cronista que esteve presente na região na época, em uma missão que acabou sendo um verdadeiro e precioso "trabalho de campo", a mais ou menos 8 quilômetros (2 léguas) da aldeia de Okarantî, localizava-se uma outra, denominada Kotyuá, ficando onde hoje encontra-se o bairro de Vila Kennedy, próximo da região de Gericinó. Essa aldeia possuía uma característica guerreira, sendo uma "armadilha" para os inimigos que por acaso atrevessem a atacá-la.
Entre Okarantî e Kotyuá, como mostra o mapa, existia Tantimã. A referência à essa taba aparece em 1569, designando terras concedidas a dois sesmeiros já citados, João de Bastos e Gonçalo d'Aguiar. "Diz" a carta que essas terras tinham como referência algum lugar perto de Gericinó.
É bom ressaltar que Gericinó servia para designar uma região muito vasta na segunda metade do século XVI, diferente do atual bairro, sendo apenas uma parte das terras que herdou o nome originário.
A aldeia de Tantimã deslocava-se por essas terras próximas às atuais encostas da Serra do Mendanha.
Nas primeiras cartas de sesmarias e outros documentos antigos, os tupinambás "chamavam" esse maciço montanhoso de origem vulcânica com outras grafias, como Jorisinom, Jorixininga, Jorisiñonga, entre outras. Hoje, é conhecido como Serra de Madureira, do lado de Nova Iguaçu, e Serra do Mendanha, ou Gericinó, na parte da cidade do Rio de Janeiro.
Os mesmos tupinambás reverenciavam o local como uma de suas "montanhas" mais sagradas, de onde partiam os rios, com relevante caça na região, e onde se tinham frutos, plantas, mel, animais entre outros.
O nome Gericinó poderia significar para os indígenas presentes na região algo como "mãe que vem fazer", "montanha da mãe geradora", ou algo próximo a isso.
Nas andanças do cronista Jean de Léry, pode afirmar que o mesmo visitou Okarantî, próximo do atual bairro de Campo Grande, decidindo voltar por um caminho mais ao norte, em direção a terras férteis e florestas das atuais "montanhas" do Parque Estadual do Mendanha.
E assim, a região do "Campo Grande ", como cita a música, já dizia: "Todo dia era dia de índio".
Referências bibliográficas:
Fróes, José Nazareth; Gelabert, Odaléa Ranauro. Rumo ao Campo Grande por trilhas e caminhos. Rio de Janeiro. 2004.
Leŕy, Jean de. Viagem à terra do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1941.
Silva, Rafael Freitas da. O Rio antes do Rio. Rio de Janeiro: Babilônia, 2017.